Por Gabriela Freire Valente, coordenadora de Comunicação SAS Brasil Sertões 2019

Quando um bebê nasce em uma tribo xavante, ele é mais um curumim da comunidade que não é batizado com seu nome indígena até que a palavra que o identifica surja em um sonho. Apesar de as imagens e pensamentos que surgem durante o sono serem elemento fundamental para a estrutura social dos xavantes, ser atendido por um médico que está a quilômetros de distância sem se afastar da aldeia já não é mais uma questão de fantasia.

Pelo menos não para as índias da etnia que foram atendidas pelo projeto Anariá do SAS Brasil em Barra do Garças, cidade no interior do Mato Grosso, durante a expedição de triagem para o 27º Sertões. Pela primeira vez na história da ONG, a equipe de voluntários adotou um procedimento de colposcopia orientado via internet pelo corpo médico do Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo, a cerca de 1,3 mil km do local dos atendimentos.

Acesse o relatório de atividades da expedição de triagem

Por capricho do destino, nossa primeira experiência com a aplicação de técnicas de telemedicina ocorreu durante o atendimento de um grupo de mulheres que foram trazidas de aldeias afastadas até a pacata e organizada cidade de Barra do Garças. A maioria delas não falava português e tivemos de contar com a ajuda de intérpretes para prosseguir com as consultas. O que aconteceu dentro da unidade móvel de atendimento do SAS Brasil pode até soar como magia de curandeiro, mas se trata do simples uso da tecnologia em favor da saúde, com o patrocínio da AmigoH, braço filantrópico de pesquisa em oncologia do Hospital Israelita Albert Einstein.

À frente do procedimento estava a médica Patrícia Travassos, residente de ginecologia e obstetrícia do Hospital Israelita Albert Einstein e voluntária de primeira viagem do SAS Brasil. “Atendemos uma paciente indígena com lesões suspeitas no colo do útero”, conta a médica. “Decidimos realizar uma colposcopia com biópsia das lesões, que foi transmitida em tempo real para a doutora Mariana Granado [chefe da residência de ginecologia e obstetrícia do hospital Albert Einstein], em São Paulo”.

A residente do Hospital Albert Einstein participou pela 1ª vez de uma ação do SAS Brasil

A decisão de realizar a biópsia foi tomada diante da dificuldade de locomoção e de garantir o retorno da paciente para a realização do exame em outro momento. Enquanto Patrícia atendia à paciente, Mariana a orientava sobre quais incisões deveriam ser feitas. “É muito especial estrear esse nível de tecnologia, com esse nível de profissionais, em um aldeia indígena que de outra forma talvez não tivesse acesso nem sequer ao atendimento básico de saúde”, comentou Camila Neder, técnica em enfermagem e integrante da equipe de voluntários do SAS Brasil.

A ONG ainda atendeu mulheres indígenas da etnia terena em Campo Grande, capital do Mato Grosso do Sul que vai sediar a largada do 27º Sertões, em agosto. Apesar da proximidade com a cidade, o acesso à saúde para os moradores da comunidade Darcy Ribeiro é limitado.

Retorno a Alto Garças

De Barra do Garças, a equipe seguiu para a cidade de Alto Garças, também no Mato Grosso, onde o SAS Brasil esteve pela primeira vez em 2017. O retorno ocorreu depois de um estudo feito pela Roche apontar redução no índice de encaminhamentos de casos de câncer de colo de útero pelo município. A medição mostrou que o número de casos da doença caiu para um quarto após a realização da ação, inclusive para abaixo da média nacional. “Ver o que o SAS Brasil faz em benefício da população é de muita valia”, diz a secretária de saúde da cidade, Renata Martins Oliveira do Carmo. “Temos muita precariedade nos exames de alta complexidade e recebemos uma equipe altamente especializada e que atende as pessoas como elas realmente devem ser atendidas, com humanização”.

Mulheres de Alto Garças (MT) aguarda atendimento do projeto Anariá

Além do impacto no diagnóstico e no tratamento de casos de câncer de colo de útero, a missão de triagem do SAS Brasil na cidade realizou a coleta de novos exames Cobas, que detecta e tipifica o vírus HPV além de identificar lesões suspeitas de câncer de pele. “Dessa vez, dobramos o volume de atendimentos. Batalhamos o ano inteiro para conseguir essas consultas e conseguimos fazê-las em apenas um dia”, comemorou a enfermeira Francine Barbosa Faleiro, coordenadora de atenção básica da cidade.

Durante a missão de triagem, o SAS Brasil percorreu mais de 5,7 mil km. Os atendimentos ocorreram nas cidades de São Félix do Tocantins (TO), São Miguel do Araguaia (GO), Barra do Garças (MT), Alto Garças (MT) e Campo Grande (MS). Ao todo, 608 mulheres foram impactadas pelo projeto Anariá de ginecologia e 266 pessoas passaram pela triagem dermatológica.

Fotos: Gabriela Valente